Um Propósito de Vida! [Artigo]
Meu primeiro diagnóstico de Autismo veio em 2009 e junto com ele veio a minha não aceitação. É muito comum as pessoas negarem, ficarem de luto ao receberem uma notícia que os distancia da "normalidade", especialmente quanto você se sente completamente capaz de viver com total autonomia - isso em casos mais "leves" do Espectro Autista - como no meu caso. Contudo, em 2019 decidi
fazer nova avalição psicológica. Queria ter total certeza sobre a classificação do meu transtorno.
Passei por uma psicóloga que fez um trabalho um pouco diferente do que eu havia
feito em 2009. Diferente no sentido de ser mais completo. Ao longo de várias consultas,
ela também entrevistou minha Mãe e, também, o Rafael (meu companheiro, que convive diariamente comigo há mais de três anos).
Muitos testes até eu receber o mesmo diagnóstico de antes. Daí, com o extenso relatório
em mãos, passei por uma psiquiatra e veio o relatório definitivo: Autismo. A mesma
situação de dez anos antes. Contudo, o que foi diferente foi minha reação ante
aquilo tudo novamente na minha frente: Dessa vez eu aceitei. Doeu menos. Penso,
que eu ter lido tanto sobre o assunto desde que tive o primeiro diagnóstico me
trouxe maior conhecimento acerca do Autismo. Foi o conhecimento, a informação que
me deram forças para não ter a mesma sensação que tive em 2009. A INFORMAÇÃO! Foi
nessa palavra, informação, que encontrei meu propósito de vida!
Num passado recente, achava que meu propósito de vida era
trabalhar com o que eu amo e ganhar muito dinheiro com isso. E isso aconteceu. Mas,
ainda me sentia insatisfeito. Ainda percebo que não alcancei o meu real
objetivo. E foi nessa palavra – INFORMAÇÃO – que encontrei o que tanto
procurei... Uma das grandes lacunas do Autismo é a falta de informação,
especialmente, para as pessoas que não convivem com Autistas. E isso contribui
e muito para uma visão deturpada sobre o tema. Foi quando pensei que poderia
usar o meu trabalho para difundir o assunto! Era isso!
Em dezembro de 2019 reuni minha equipe e anunciei que traria
o tema sobre o Autismo para o meu trabalho. Minha primeira ação seria uma
exposição de pinturas e fotografias instantâneas onde o Autismo seria
representado. Intitulada LUZ AZUL a mostra seria lançada em abril de
2020. No dia 02 de abril é comemorado o Dia Mundial de Conscientização sobre o
Autismo. Contudo, a mostra foi adiada em função da pandemia da COVID 19. Com isso,
decidi registrar o processo criativo da exposição e nasceu outro projeto; o
filme de documentário LUZ AZUL. Ainda estou trabalhando nos dois
projetos que serão lançados assim que “as coisas voltarem ao normal”. Esses dois
projetos me ensinaram que não temos controle sobre nada em nossas vidas. Que não
podemos esperar que tudo aquilo que planejamos vai acontecer. A gente tem que
se adaptar às situações que ocorrem em nossas vidas. E viver não é fácil. Não mesmo!
Tive vontade de tomar sorvete agora, mas hoje não tem sorvete
aqui em casa. Sempre tem. Ontem fui ao mercado e vi sorvete nos congeladores, mas
eram tantas opções de sabores que na dúvida preferi não comprar. Mas, se tivesse
aqui agora, tomaria de qualquer sabor.
Voltando ao meu real propósito de vida; quero muito, com o
meu trabalho lutar pelos direitos de pessoas que sofrem do Transtorno do Espectro
Autista. Reforçar a necessidade da informação para que cada vez mais nós
alcancemos mais espaço na sociedade. Ainda no campo dos desafios, o Autismo não
é visível para os leigos no primeiro momento; não tem cor, idade, não é visual.
Vou tentar ser mais claro: no meu caso, se eu entrar em uma fila preferencial –
eu odeio filas. É algo que realmente pode me levar a uma crise – logo alguém me
chama a atenção que estou na fila errada. Claro, eles estão vendo um homem
jovem que aparentemente não tem nenhuma deficiência. Sim! O Autismo não é uma doença.
Trata-se de uma deficiência. É muito recorrente eu passar por esse constrangimento
em estabelecimentos comerciais e públicos. Muitas vezes, mesmo com pressa e
sobretudo, impaciente, preferi pegar uma fila convencional e gigante ao ter que
passar pelo constrangimento de ter que falar pra um estranho que eu tenho
Autismo. E quando eles falam: “Ei folgado essa fila é pra gestantes e idosos”! Pior
é quando estou muito atarefado e preciso usar a fila preferencial e alguém bate
no meu ombro pra me dizer que não deveria estar ali. Pouca coisa me fere quanto
ao toque de um estranho. Alguém me tocar é como se me ferissem profundamente. Tenho
muita resistência ao toque, isso é algo que pode me levar a um lugar que não quero
visitar no sentido sensorial. É doloroso demais!!! MUITO!!!
Tenho observado em muitos estabelecimentos a Fita de Quebra
Cabeças que representa o Autismo nas placas de atendimento preferencial. O problema
é que muitas pessoas não sabem o que o símbolo representa. Daí, a importância da
informação. Normalmente somente pais e familiares de Autistas conhecem os símbolos
que representam a deficiência.
Em facto, a informação está para muito além de simbolismos e denominações.
Um aspecto muito importante que compreende minha condição, é que não tenho
muita precisão, em relação à intensões. Em suma, sempre tive dificuldades em
entender se a pessoa está a fim de se relacionar comigo. Esse aspecto me deixou
vulnerável à situações de assédio sexual, isso na minha puberdade. Fui exposto a
muitas circunstâncias onde não consegui identificar a real intensão da pessoa,
tenho lembranças de ter sofrido assédio por varias vezes, tanto por mulheres
quanto por homens. Isso dos onze aos treze anos de idade e os assediadores na
casa dos mais de sessenta anos. Sim! Estou falando de pedofilia. Mas, falo sobre
isso noutro momento. Só quero ratificar a importância da informação, neste
caso, em especifico aos pais que podem não ter a dimensão de o quão seus filhos
Autistas podem ficar expostos a situações que eles podem não entender o que estão
sofrendo e isso se tornar um trauma pra toda vida. No meu caso, não sei precisar
se tenho traumas, digo isso porque desde que iniciei minha vida sexual, sempre
fui muito bem resolvido neste sentido. Embora eu nunca dou iniciativa se não ficar
claro que a outra pessoa está interessada em mim. No entanto, se percebo que há
interesse da outra parte, costumo ser muito direto.
O que muitos chamam de missão, para mim, é o propósito de vida de cada um. E sei que é muito difícil encontrar essa resposta. Eu quero acreditar que encontrei a minha e fazer com que o meu trabalho ajude o maior número de pessoas possíveis e com qualidade! E isso é o que ainda me move pra frente!
Ernane Alves