Converse com seu Filho Autista sobre Puberdade! [Artigo]
Quando eu termino e onde eu começo?
O fim da infância e nascimento da adolescência é uma fase que pode ser brutal para muitos meninos e meninas. No caso de Autistas isso pode ser ainda mais dramático...
Vou escrever sob uma ótica
muito particular, com isso, posso não detalhar muito acerca das meninas, por um
motivo óbvio: sou um homem. Posso me recordar de uma ou outra conversa entre
minha Irmã caçula e minha Mãe, daí fica um pouco mais completo esse artigo. Todavia,
não quero me ater a isso. Afinal o propósito desde blog é dividir minhas experiências pessoais dentro do Espectro Autista e nada de didatismo.
Durante minha adolescência tudo
mudou. O meu corpo e minha mente ficaram diferentes. Muitos garotos Autistas
têm as mudanças físicas sem estarem preparados psicologicamente para elas. E foi
assim comigo também. O corpo muda e as sensações podem ser amedrontadoras em
certos casos. A voz muda, nascem pêlos pelo corpo – eu sempre tive poucos pelos
– sobretudo, o comportamento muda muito. Lembro-me de eu ter ficado muito
agressivo e impaciente, especialmente com gente pouco inteligente (trago isso
até hoje comigo). O mais importante que devemos salientar é que não há controle
sob a natureza. Digo; independentemente da condição neurológica de uma pessoa –
isso em qualquer grau do Espectro Autista – a condição física é independente e
soberana. Mesmo para os neurotípicos.
Não há como controlar uma força
da natureza! Se o corpo pede, não será a cabeça que irá impedir
nada. Para refletir: quantas vezes você se apaixonou por alguém que não valia a
pena? Quantas vezes ouviu de amigos que aquela pessoa não era ideal para você? Pois
é! Não dá para controlar tudo com a razão. Mas, voltando à puberdade, se um
indivíduo não pode ter controle sob suas sensações físicas não será a “vontade”
dos pais que impedirá seu/sua filho/a de exercer sua sexualidade. Muitas vezes,
minha Mãe me pegou na cama e me esfregando contra a coberta, isso com 10 ou 11
anos de idade e eu nem imaginava o que era ter uma relação sexual. Parece difícil,
mas, não! É facto! Todos passarão por isso, é uma força da natureza! E como lidar
com isso? E com um filho atípico ainda. Comigo foi com muita naturalidade. Meus
Pais nunca infantilizaram questões sexuais. Pênis é pênis. Pênis não é pipiu,
etc. Penso que quanto mais natural é a linguagem melhor! Especialmente em casos
de Autistas. Eu tenho o pensamento concreto! Daí dá para imaginar como é usar
metáforas comigo. Certa vez, já adulto, ouvi de uma moça: “Ernane a mamadeira
está cheia”? Isso foi em um encontro em minha casa em Belo Horizonte. Eu não
sabia o que responder. Fiquei pensando: "Essa moça mama até hoje"? Pois bem, ela
se referia a se eu estava a muitos dias sem ejacular. Mas, até ela explicar
isso para mim, passou mil pensamentos na minha cabeça. Daí, imagina ficar
criando metáforas para adolescentes Autistas sobre sexo, pode ser um desastre! Vai
uma dica: opte por uma linguagem mais clara e objetiva. Tudo tem o seu tempo,
mas não subestime a inteligência do seu filho! Eu por exemplo, mesmo já tendo
um repertório mais amplo ante minha vivência; tenho o pensamento concreto,
mas tenho o coeficiente de inteligência extremamente elevado.
Sabemos que o ambiente escolar
durante a adolescência pode ser muito cruel para Autistas, com isso, penso que
quanto mais direta for a comunicação dos pais, melhor será o desempenho do seu
filho com seus colegas de escola. Lembro-me de situações muito estressantes nas
minhas relações escolares durante minha puberdade. Era especialmente constrangedor
após as aulas de educação física, onde todos os garotos iam tomar banho no
vestiário da escola. Eu chamava a atenção da classe (na época eu não sabia o
motivo) e era por eu ter sido um garoto muito bonito e isso me incomodava muito. Parecia
que todo mundo queria me ver nu. Como sou muito branco, meus primeiros pelos pubianos
realçavam no meu corpo e quando algum colega chamava a atenção do outro em
relação ao meu corpo ou o quão o meu pênis era maior em relação aos deles, era uma tortura para mim. Mesmo, com todo apoio que sempre
tive com meus Pais, especialmente com os diálogos, era difícil lidar com tanta
mudança em tão pouco tempo. Uma hora você é um menino que brinca de carrinho
(eu gostava das rodas dos carrinhos na verdade) outrora você não se sentia mais
confortável com brinquedos e seu corpo te direciona para outro caminho que
ainda não se está preparado. Sim! Menino, depois adolescente, mas, ainda não um
homem adulto. E esse “hiato” é uma lacuna muito complexa de se atravessar.
Estou escrevendo muito sobre
essa força da natureza e não há método melhor para os pais aplicarem em
seus filhos do que a NATURALIDADE! Não adianta em nada os pais empurrarem os
filhos para médicos e/ou psicólogos, se eles (os pais) não são capazes de
conversar com naturalidade sobre o básico com seus próprios filhos! Foi assim
comigo e foi muito bom para mim. Mesmo! Sou um homem muito bem resolvido com
minha sexualidade e devo isso aos meus Pais. Tudo era tratado no seu tempo e
com muita tranquilidade e sem infantilização do tema! Que fique claro que estou
falando de: Falar sobre sexualidade, iniciação sexual, mudanças corporais com
seu filho adolescente. Não com seu filho que ainda não chegou nesta etapa tão
desafiadora da vida de todos nós. Digo isso, porque uma das minhas
características é o "medo" de ser mal compreendido. E tem muita gente burra que tem
preguiça de ler e quer interpretar o texto antes de terminar de ler...
Lembro-me que com 07 para 08
anos de idade, ainda menino e não adolescente, durante uma aula de Catecismo –
que é um preparatório da Igreja Católica para a Primeira Comunhão –, minha
professora de catecismo, a Glaucia, me advertiu em uma das aulas, porque eu
estava com a minha mão dentro da cueca e segurando meu pênis. Ela disse: - “Ernane
tire a mão daí agora”! - E eu perguntei: “Porque professora”? - E ela me
respondeu: “Porque é pecado”! - E eu devolvi: “Mas, não foi Papai do Céu
quem fez”?! Ela ficou sem saber o que responder e continuou a aula com todos os
alunos olhando para ela como se estivessem esperando uma resposta plausível. Eu
me referia ao meu pênis, já que é uma parte do meu corpo; porque - no sentido de importância - ele era
diferente da minha mão ou perna? Sim, eu já sabia das funções de cada membro do
meu corpo – e naquele momento da minha vida, o meu pênis só servia para eu
urinar –, esse raciocínio para um garoto com pouco mais de 07 anos de idade... A grande
questão é o quão somos preparados pela sociedade (externa) para termos vergonha
do nosso próprio corpo. E vindo de uma professora de religião então... Conheci,
por meio de fotos, a pintura da Capela Sistina com aquele tanto de gente pelada
e foi tão lindo ver aquela obra do Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni. Eu fui criado na Igreja
Católica; batizado, Primeira Comunhão, Crisma e me Casei na Igreja da Boa
Viagem na capital mineira (atendendo a vontade da minha ex mulher, com quem tive
uma relação de 08 anos e meio). Contudo, estudo a Kabbalah desde 2004 e essa é
minha atual Religião.
Na minha casa, durante minha
puberdade, era tudo bem diferente. Meu Pai foi um homem incrivelmente inteligente.
Na verdade, nunca conheci alguém tão inteligente e humano como ele.
E sobre a funcionalidade dos
nossos membros, aprendi desde novinho, isso com minha Mãe, como cuidar da
higiene do meu pênis. Isso é fundamental. Está para além de higiene na verdade.
É uma questão de saúde! Realmente, não acredito que isso ainda seja um tabu na
sociedade “moderna”. Vejo na verdade, uma regressão intelectual, de costumes,
ensinamentos etc. Vejo muitos pais designarem à profissionais da psicologia, ações
que são da competência dos próprios pais e isso pode ser tão prazeroso. Tive esse
privilégio. E não foi necessariamente o meu Pai (por ser homem) quem me passava tudo, muito pelo contrário, minha Mãe foi muito participante na minha educação
sexual, assim como ela e, também, o meu Pai conversavam com minha Irmã. Isso foi muito LINDO!
Muitos especialistas vão dizer
aos pais que tratar/falar de puberdade com um filho Autista não é uma tarefa
fácil. Particularmente, eu não sei mentir, daí eu coloco uma pergunta no ar: “Porque
você mentiria para o seu filho?” e ainda: “É mais fácil infantilizar um assunto
tão importante?” Baseado nas minhas experiências e creio que para qualquer
outro Autista independentemente do seu grau no espectro, a naturalidade lhes
levará à um lugar de conforto e confiança mútua. CONFIANÇA! Essa palavra tem um
valor imensurável nesta fase da vida (a Puberdade). Seu filho irá se sentir muito mais
confiante se você passar confiança à ele, porque na “rua” ele pode encontrar muita
rejeição ou até mesmo o “acolhimento” de pessoas mal intencionadas. E isso é o
que leva, muitas vezes, ao abuso, assédio etc.
Sabe-se que uma das características de muitos Autistas é a falta de capacidade de fazer leitura de intenções de terceiros. Eu mesmo, já tendo passado por tantas experiências amorosas na minha vida, ainda tenho essa mesma dificuldade em interpretar o interesse de outra pessoa em mim, caso ela não seja bastante clara em suas intenções. E essa “fragilidade” em um adolescente Autista associada à falta de apoio familiar pode ser uma tragédia anunciada. Minha Mãe cuidava muito de mim durante minha adolescência, no sentido de me aconselhar sobre uma menina ou outra que por ventura eu estava interessado. Ela costumava dizer que eu me apaixonava com muita facilidade. E fui sempre assim nas minhas relações. Sempre muito intenso. Embora eu tenha um histórico de relacionamentos muito duradouros, em suma, eu sou “um acidente esperando para acontecer”!
Ernane Alves