Os Sons do Silêncio [Artigo]
Respire! Respire! Respire mais uma vez! Ou faça como o Chico Xavier dizia: “Finja que tomou um gole d’água e não engula. Assim não vai conseguir falar/responder”! Esses são alguns dos exercícios que tento fazer quando ouço alguma idiotice. Confesso que nem sempre consigo. Mas, tento. Sempre tento. A comunicação nem sempre é boa quando não se tem sintonia. Se não há reciprocidade a comunicação vai causar “ruídos”.
O Autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que pode afetar
a linguagem, a cognição e também a interação social. Comumente, antes dos dois
anos de idade aparecem os primeiros sintomas. Observe quando um bebê não reage
aos estímulos sonoros e/ou visuais e se ele apresenta alguma dificuldade de
comunicação; por exemplo: você o chama pelo nome e ele não responde. Dificuldades
na interação com os pais, atrasos na linguagem, comportamentos repetitivos, olhar
perdido, resistência a mudanças na rotina são algumas das características do Autismo.
Já relatei que no meu caso; nunca tive dificuldades de aprendizado e que minhas
questões são mais sensoriais (sons, ruídos, vozes) e resistência ao toque. Entretanto,
tenho problemas de dicção. Foram as inúmeras aulas de teatro no início da minha
carreira que me ajudaram a melhorar a fala. Porém, quando falo por muito tempo
seguido (acontece durante palestras e apresentações) começo a embolar a fala. Isso
também acontece quando fico muito nervoso ou irritado com algo; começo a falar
e perco o nexo e a dicção fica péssima.
Muitos Autistas têm dificuldade de se expressar, mostrar suas vontades,
sentimentos e pensamentos, e em alguns casos até manter uma simples conversa
pode ser um desafio. Como o Espectro Autista é como uma régua que vai de 0 a
100, onde a variação do transtorno é bastante complexa, podemos afirmar que
nenhum Autista é igual ao outro e não seria diferente em relação à capacidade
de comunicação de cada Autista. Mormente, é muito comum as pessoas não
conseguirem diferir três aspectos diferentes da comunicação, talvez por estarem
muito interligados. Mas, devemos saber distinguir as diferenças entre a Fala,
a Linguagem e a Comunicação. Digo isso, porque uma pessoa com TEA
pode apresentar dificuldades em apenas um desses aspectos.
Em suma; a Fala é ato de transmitir sons,
palavras articuladas e frases. A Linguagem é a ferramenta da conversação
oral. E a Comunicação;
o método de trocas de informações por meio de combinações verbais na fala e
linguagem e no caso de Autistas não-verbais as expressões faciais, gestual/linguagem
corporal e a comunicação com o olhar.
Eu tenho recebido muitas
mensagens de pais, mães e irmãos de Autistas me perguntando sobre comunicação,
fala etc. Algumas dessas mensagens são realmente tocantes. Outro dia uma mãe me
perguntou se seu filho de 14 anos, Autista não-verbal, iria falar algum dia. Fiquei
sem ação ao ler essa mensagem. Pensei muito antes de responder – na verdade,
não consigo responder a todos porque recebo centenas de mensagens por semana –,
demorei uns 10 minutos para pensar e responder a essa pergunta. Escrevi a
resposta e ainda inseguro, consultei uma querida Amiga que é Musicoterapeuta, a Meiry Geraldo,
para saber se eu estava no caminho certo. E essa Amiga me disse que sim, que a
resposta era excelente. Foi assim. É quase sempre assim; eu nem sempre tenho as
respostas certas ou mesmo o que essas pessoas querem ouvir. Eu respondo baseado
na minha experiência pessoal. Mas, eu tenho pouca dificuldade na comunicação e
falo muito bem, inclusive aprendi outros dois idiomas sem ter feito cursos de línguas.
Sei lá, às vezes a gente se prende a questões tão pequenas e não olhamos ao nosso
redor para percebermos o tanto que ganhamos do universo. Por mais difícil que
seja e acreditem; nada na minha vida veio muito fácil! A maioria das
oportunidades significativas que eu tive foram fruto do meu próprio esforço.
Sobre a resposta á essa
mãe que queria saber se seu filho algum dia falaria, respondi que é muito difícil te responder essa questão. Os Autistas não são iguais.
Cada um tem sua particularidade. Há Autistas não-verbais que ao longo do tempo
podem começar a falar devido à muito trabalho com fonoaudiólogo e pode variar
muito dependendo do caso. Se houver uma intervenção logo no início da infância
os resultados podem ser bastante satisfatórios. Todavia, não há como saber se a
pessoa com TEA responderá bem ao tratamento. Creio que o mais importante é que
de certo modo o filho dela já "conversa" com eles (seus familiares).
Não sei como ele é, mas todos nós temos nossos modos próprios de comunicação. E
o Amor, a paciência e a empatia são o alicerce para todos termos uma
comunicação conjunta. Isso é fundamental e o mais importante. Devemos conjeturar
que muita gente fala muito e não nos diz nada. No entanto, há pessoas não-verbais
que tem tanto a dizer...
Sugeri que essa mãe buscasse auxílio à um fonoaudiólogo ou mesmo experimentar outro profissional na mesma área. A musicoterapia é outra alternativa muito eficaz para estimular os Autistas em outras questões sensoriais. Inclusive, indiquei uma profissional excelente nesta área. Espero sinceramente, ter contribuído para algo neste sentido.
É muito difícil dar uma resposta dessa. Mas, eu não quero dizer as coisas certas ou mesmo querer impressionar quem quer que seja. Creio que é mais fácil dar as respostas tais como as coisas são e isso é no mínimo honesto!
Meu objetivo com esse blog é dividir minhas
experiências dentro do Espectro do Autismo. Eu, na condição de Autista, com
minhas vivências e foi isso que fiz ao responder essa mãe. Sim! Eu sempre ouvi
gente falante, falar, falar e não conseguir se comunicar. Falar tanto e não dizer
nada que sirva! Eram apenas palavras soltas. Por outro lado, já me comuniquei e
aprendi tanto com pessoas monossilábicas e até mesmo com pessoas não-verbais. E
o tanto que me comunico com o Emile (meu gato). Nossa! Ele me entende tanto e
eu a ele. Inclusive, quero escrever um artigo sobre a importância dos pets (Animais
de estimação) na vida de pessoas com TEA.
De certo modo a comunicação, apesar de estar
interligada com a fala, é ainda mais importante do que ato de simplesmente falar.
Penso que devemos tentar buscar nas dificuldades alternativas naturais/humanas de
nos conectar com os outros. O mundo deveria ser assim hoje! Apesar disso, a conexão
é um facto, mesmo que mais forte por meio da internet e ainda no sentido de
apenas estar conectado à rede e não de facto à outra pessoa. Estar conectado
com o outro é mais fundamental do que estar conectado com a internet o dia
inteiro. Quantas vezes me vi lendo ou apenas vendo coisas/assuntos sem sentido
no meu celular enquanto o Emile (meu gato) ficava se esfregando em mim. Ele estava
me pedindo atenção. E claro; larguei meu celular e preferi curtir ele. Aliás,
quando eu ligo o computador e fico muito tempo em frente à tela, o Emile vem e
pula no meu colo e fica olhando a tela e me olhando pra entender o que eu tanto
faço ali. Perdi a conta das vezes que o Emile invadiu uma LIVE ou reunião por videoconferência
que eu estava participando, é como se ele dissesse: ”Chega por hoje”! E como já
relatei eu não rendo mais do que uma hora falando, depois disso eu fico
impaciente. É o que eu penso: a comunicação está para além da fala!
No filme “A Intérprete” de 2005, uma cena que para
mim foi emblemática, constituiu quando a personagem da Nicole Kidman foi
indagada por um líder em uma reunião da ONU, sobre “quem ela era” para dar uma
opinião sobre um assunto de importância mundial. E o dito líder disse que: - “Você
é apenas uma intérprete” (profissionais que ficam traduzindo os discursos da
ONU para líderes de países diversos) e ela respondeu: - “Guerras começam por
falta de comunicação”! convido a todos para uma reflexão sobre isso...
Particularmente, sou uma incógnita na comunicação.
Posso parecer falante em certos momentos e outrora bastante monossilábico. Vai depender
de com quem estou me comunicando ou mesmo se o assunto me é caro. Porém, posso
simplesmente interromper uma conversa e sair de cena.
Ao iniciar
esse artigo, lembrei-me do álbum “The Sound Of Silence” (O Som do Silêncio) de
Paul
Simon & Art Garfunkel, originalmente lançado em 1.964. Cuja canção homônima
diz: “Em sonhos sem descanso eu caminhei só; Em ruas estreitas de
paralelepípedos; Sob a áurea de uma lamparina da rua; Virei minha gola para o
frio e a umidade; Quando meus olhos foram esfaqueados; Pelo flash de uma luz de
neon; Que rachou a noite; E tocou o som do silêncio”. Paul Simon disse em uma apresentação para um programa de TV canadense o
seguinte: “Um dos maiores problemas que
temos hoje é a inabilidade das pessoas de se comunicarem — não somente em um
nível intelectual como também em um nível emocional — então você encontra
pessoas que não conseguem tocar outras pessoas ou amar outras pessoas, e essa é
uma música sobre a inabilidade de se comunicar, chamada The Sound of Silence”.
Eu (Ernane) tenho esse disco e ele é incrivelmente fascinante. Confortante!
Refletindo
a poesia, música é poesia, percebo muitos instintos e inúmeras sensações
cotidianas que insistimos em ignorar... O que o Simon disse/escreveu/cantou nos
anos 1.960 é algo tão recorrente nos dias atuais que me pergunto: Para onde
estamos indo? Com quem estamos nos comunicando? E eu mesmo já disse o tanto que
temo ser mal compreendido, por isso costumo ser prolixo com estranhos.
Em muitos
momentos eu prefiro os sons do silêncio. Entre 2008 e 2009, quando vivi na
Capital Argentina, virei muitas noites acordado olhando pela janela do meu
apartamento no 6° andar e vendo as copas das árvores do Parque Lezama – o mesmo
que tanto inspirou o Escritor Argentino Jorge Luis Borges -, e observei
por meses o mesmo alvorecer. Sempre mirando o infinito, tão findo quanto a nossa
própria existência física. A vida é uma experiência muitas vezes amarga, no
entanto, polvilhada por pequenos momentos doces. Viver, para mim, pode ser como
tomar vinho nas ruas da grande Buenos Aires. Isso tarde da noite e andando...
Ernane Alves