Quando os Pais não aceitam que o Filho seja Autista [Artigo]
Esta é uma questão recorrente
na comunidade Autista em todo o mundo. Eu mesmo recebo inúmeras mensagens nas
minhas redes sociais de pais e mães de todo país relatando suas experiências diante
de um “inesperado” diagnóstico de TEA. Em alguns casos, ouvi de mães que não
sabiam o que fazer ou mesmo que estavam “em luto”. Eu sei que é muito difícil
aceitar uma condição diferente dos outros, digo isso com propriedade porque eu
mesmo não queria aceitar meu próprio diagnóstico que foi tardio. Ele veio em
2009 e junto a minha não aceitação. E perguntas indignadas como: “Eu sou tão
inteligente, me sinto tão capaz. Como posso ser neuroatípico?” E as respostas
vieram com o tempo...
Passei a estudar sobre o
assunto para entender mais sobre o Transtorno do Espectro Autista. A premissa
mais básica é; o Autismo é um espectro! Como uma régua que vai de 0 à 100. Ou seja,
há vários graus do transtorno. Alguns Autistas são comunicativos e aceitam o
toque e outros não. No meu caso, além da hipersensibilidade sensorial em
relação ao som – especialmente ruídos e certos timbres de vozes -, também, não
gosto de ser tocado. Sim, abraçar alguém pode ser uma “tortura para mim”, inclusive,
é comum eu recusar cumprimentar alguém pegando na mão. Mas, nada me tira tanto
do sério como o som de palmas, isso para mim é o mais doloroso. Mas, voltando à
questão da individualidade; cada Autista é único. Somos seres humanos antes de
tudo e temos nossa particularidade e singularidade como indivíduos. Você já deve
ter ouvido em alguma campanha o termo: “Autismo não é adjetivo!” E é exatamente
isso. Um diagnóstico não define um indivíduo com TEA. Somos muito mais do que
uma condição diferente dos neurotípicos. Eu por exemplo, sou um homem jovem com
Autismo, mas que tem as mesmas vontades de um homem jovem neurotípico, tenho
vontade de trabalhar, produzir, ser reconhecido pelo meu trabalho etc e também,
as mesmas necessidades físicas dos outros caras. Isso mesmo, eu gosto de namorar,
transar, malhar, praticar boxe...
O que quero dizer aos pais, na
condição de Autista de Grau 1 é que o meu Autismo não me impediu de ter autonomia
na minha vida. E isso se deu muito pela criação que recebi dos meus pais. Eu sei
que em casos de Autismo mais severos, o indivíduo irá necessariamente precisar
de um apoio muito intenso. Todavia, creio que independentemente do Grau do
Autismo do seu filho, quanto mais vocês (Pais e Mães) derem autonomia a esse
indivíduo, melhor será a qualidade de vida dele. Sei que é tudo muito difícil,
porém, a cada pequena conquista que é comemorada por vocês o filho de vocês irá
se sentir mais capaz, mesmo se ele estiver em um Grau mais severo no Espectro. Às
vezes pode parecer imperceptível mas, não! Ele irá evoluir com vocês! É uma
troca familiar muito importante e vital; os pais educam os filhos e os filhos também
ensinam os pais. Sejam gentis com vocês mesmos! Porque se há Amor, as
dificuldades do seu filho serão minimizadas ante seu sentimento nobre. É assim;
a vida é muito dura às vezes com todos nós, mas, devemos seguir em frente e
tentar dizer à vida que a gente pode escrever nossa própria história e melhorar
nossa existência neste mundo, que é por vezes cruel com os Autistas. Mas, a força
do amor de um Pai e de uma Mãe tem que sobrepor-se a quaisquer situações que a
vida nos impõe! Se você ama seu filho, se é amor de verdade, não vai ser uma
condição diferente que impedirá você de lutar pela liberdade, independência
(mesmo dentro de um quadro de total dependência do dia a dia) e sobretudo o
crescimento deste indivíduo na sociedade. Me deu uma vontade de comer chocolate
agora.
Tive a sorte de ter sido
criado por pais tão sábios e amáveis. Meus pais tiveram pouca oportunidade de estudo,
meu Pai era Pedreiro e minha Mãe Dona de Casa, mas, a sabedoria deles
ultrapassava os limites das dificuldades e da falta de acesso à informação. Mesmo
sendo diagnosticado na fase adulta, eu nasci Autista, o Autismo faz parte de
mim e de uma certa forma, o meu Pai sempre me viu diferente. Contudo, meus pais
nunca me criaram dentro de uma bolha. Eles “me empurraram para a vida”. Eu tenho
três (03) Irmãos e fiquei amigo dos amigos deles e meio que impulsionado eu fui
seguindo em frente, mesmo me vendo de forma diferente das outras crianças. Era muito
claro para mim que os outros garotos eram diferentes de mim. Meu coeficiente de
inteligência é muito acima da média mundial, e segundo minha psiquiatra eu
consegui “maquiar” minhas estereotipias em certos momentos da minha vida para
ser “aceito” em um ou outro grupo nas relações socias. E outro fator que me
ajudou foi ter sido um garoto bonito, o que me ajudou na minha interação
social. Eu era um garoto bonito demais para ser ignorado. Tive sorte em alguns
sentidos dentro do Espectro. Porém, esses fatores nunca diminuíram o meu
sofrimento, há uma velha máxima que diz: “O Autismo pode ser leve, mas o
sofrimento é pesado”, em outro artigo vou falar mais sobre esse assunto. A questão
mais importante no meu caso foi o ACOLHIMENTO que sempre tive dos meus Pais. Nada
e ninguém pode trazer mais confiança, força e crescimento do que o apoio dos
nossos pais!
Acho que fui um tanto claro,
né?! Se você ama o seu filho/a não será a condição neuroatípica dele que
definirá um sofrimento inadequado. A grande maioria dos pais irão sofrer pelas escolhas
erradas de filhos neurotípicos. Então porque sofrer por uma condição que seu
filho Autista não escolheu?
Em suma se há amor de verdade,
segure a mão do seu filho/a Autista e siga com ele/a a jornada dessa existência
e não tente explicar a vida antes de vivê-la porque isso não funciona! Não se
preocupe em justificar a todo tempo para os outros alguma estereotipia do seu
filho, ninguém tem nada com isso, ele é seu filho! Permita-se ama-lo e receba o
amor dele que é o mais forte e importante! O que os outros irão pensar não
importa, até porque sofrer tentando imaginar o que os outros pensam é uma
idiotice! Escrevi esse texto pensando nas muitas mensagens que venho recebendo
desses pais e mães buscando respostas para algo que não há respostas, só o Amor
e a empatia podem confortar esses corações.
Minha mãe dizia que quando eu
nasci meu Pai estava muito ansioso porque eu era o primeiro Filho deles e que
quando ela recebeu alta o meu Pai foi nos buscar na maternidade em seu Corcel
Azul (um carro da Ford). E eu já me machuquei tanto com um triste pensamento
recorrente, em passado recente, que era assim: Eu nasci e o meu Pai foi nos
buscar, minha Mãe e eu, seu filho com defeito... Era tão triste pensar
nisso, mas, acontecia com frequência esse pensamento triste. E o tempo foi me
mostrando o homem que eu me tornei e o tanto que venho contribuindo com a
sociedade, mesmo com tantas dificuldades. E é isso que me traz força para
seguir em frente! Esse propósito de vida é maior que tudo que conquistei como
Artista! Porque aprendi com meu Pai que nós, seres humanos somos maiores que
nossa própria ignorância! Como sinto falta dele... Sinto a LUZ dele viva dentro
de mim e sei que ele tinha muito orgulho de mim. Meu Pai nunca me cobrou ser
isso ou aquilo, NUNCA! Mas, sei que ele sabia que eu seria alguém que se
destacaria na sociedade. Ele sempre soube e viveu para ver isso acontecer. Foi o
AMOR dos meus Pais que me fez capaz. É isso! É isso tudo!
Ernane Alves