E Depois? (Depois de Tudo) [Artigo]

“O que será dos nossos Filhos Autistas quando formos embora?” Essa é uma pergunta recorrente de Pais e Mães Atípicos.

 

Logo nos primeiros instantes da nossa “chegada” neste mundo é estabelecida uma relação natural e real entre nós e nossos Pais. Na maioria dos casos é o seio da Mãe que nos acolhe primeiro, mas, o Pai também está ali por perto. Nervoso, andando de um lado para o outro na maternidade, esperando que tudo dê certo. Sei que em muitos casos o Pai não estará presente neste momento, por um motivo ou outro. Mas, a Mãe sempre estará. Todavia, na grande maioria das vezes estarão os dois, como no meu caso.

E como definir a figura dos Pais? Um tanto difícil para mim. Nenhum adjetivo é capaz de definir a importância dos Pais em nossas vidas. É a certeza de que tudo vai dar certo e não importa o quão dura seja nossa vida, os Pais nos colocam em um lugar de segurança e conforto, mesmo se não há conforto financeiro. Vejo nos noticiários Pais tão jovens, pobres, com pouca perspectiva de prosperidade, especialmente neste momento tão triste na humanidade em função da pandemia de Corona vírus, lutarem tanto. Gente que saiu de casa para morar nas ruas porque perderam seus empregos, mas, sobretudo, Pessoas que não perderam sua dignidade. Nossa! Não dá pra mensurar o tanto que admiro a humanidade. Sim, somos em suma; muito melhores do que ruins. A grande parte das pessoas são humanizadas, são poucos que praticam a desumanidade e de certo modo; as notícias ruins “vendem’ mais do que as notícias boas – problemas históricos da Comunicação!

Estava falando desses Pais jovens que seguem suas vidas com esperança para criarem um ambiente digno para os seus filhos. Certo dia, assisti em uma reportagem na TV um Pai muito jovem dizer que; “Tento não passar para os meus Filhos (são dois) nenhum tipo de fraqueza. Especialmente para esse aqui (referindo-se ao mais velho. Um menino de apenas 8 anos), porque eles têm a mim e a minha esposa para seguir na vida.” Mesmo com sua tenra idade, esse jovem Pai, passou tanta maturidade em sua fala que fiquei positivamente impressionado. Penso que quando um ser humano se torna Pai ou Mãe acontece uma transformação extraordinária nestas pessoas. Não dá para explicar...

E no caso de Pais e Mães atípicos? Cada caso é um desafio diferente. Ouvi tantos relatos distintos... Especialmente de Mães que me dizem que nem gostam de pensar no assunto. O assunto é; E Depois? Quando elas morrerem? Na verdade, todos os Pais e Mães que conheço pessoalmente tem pavor da ideia de morrer e deixar seu Filho Autista “sozinho”. E isso, esse medo, é independente de grau de comprometimento desse Filho/a. Conheço Pais de Autistas dos mais diferentes graus. Há pouco tempo, uma Mãe de um Autista, já adulto que é independente e tem pouquíssimo comprometimento dentro do espectro, me disse que tem um “plano” para ele. Sim! Ela desenvolveu um “plano” para a subsistência do Filho. Ela me disse que tem medo de morrer e que ele tenha dificuldades financeiras, daí, ela criou algumas alternativas para impedir que isso aconteça; desde de planos de saúde e previdência até investimentos financeiros duradouros. E essa Mãe é ainda muito jovem, tem cerca de 56 anos de idade. São tantos os relatos que já ouvi. Mas, e quando esses Pais e Mães atípicos não detém recursos financeiros para criarem um “plano” para o futuro de seus Filhos com TEA? E quando esses Pais não estiveram mais aqui? Esses indivíduos vão poder contar com as Políticas Públicas? Difícil de responder isso! Assisto atônico, um total descaso do Poder Público – estou falando de Minas Gerais, porque eu moro na Capital Mineira. Percebo, não apenas, uma incompetência intelectual (no sentido lógico) dos gestores dos setores de políticas públicas para pessoas com deficiência em Minas, como também, um despreparo que chega a “dar nos nervos”. É triste assistir uma Comunidade, no caso a Autista, ser representada por tanta gente desqualificada e o que é pior; são pagos para isso! São pagos para assegurar nossos direitos (digo nossos, porque sou Autista e tenho propriedade para falar sobre) e nem é para criar algo melhor; porque eles não são capazes de tanto! O pior é que eles não conseguem nem garantir os direitos já assegurados para Famílias menos favorecidas que tem algum membro no Espectro Autista.

No último 09 de abril de 2021, participei de um Fórum Intersetorial (por videoconferência) para discutir políticas públicas para pessoas com TEA em Minas Gerais. Entre as pautas; a CIPTEA (Carteira de Identificação de Pessoa com Autismo), as Políticas de Saúde Mental, questões sobre estacionamento preferencial e outros aspectos. Esse Fórum foi um “show de horrores” com direito a um representante da Saúde de Belo Horizonte, perdido até nos slides (texto pronto) que ele estava lendo. Esse senhor, do qual não me lembro o nome e isso pouco importa, nem se deu ao trabalho de “decorar” os tais slides, simplesmente leu textos utópicos e totalmente fora da realidade de inúmeras famílias mineiras. Sobre a CIPTEA, nenhum avanço. Inclusive, participei de uma reunião em meados de janeiro deste ano, onde a ex sub secretária do Governo do Estado de Minas Gerais ficou emudecida ante minha fala. Ela não trouxe nenhum norteamento para a implantação da CIPTEA, sancionada no final de 2019 pelo Presidente da República. Ante tanta incompetência aliada às inúmeras mensagens de Famílias de todo Brasil me pedindo algum auxílio neste sentido, resolvi disponibilizar gratuitamente uma Carteira de Identificação de Pessoa com Autismo no meu Blog LUZ AZUL. Essa carteira é uma alternativa provisória para as famílias terem alguma dignidade social diante da invisibilidade que os Autistas vivem em nosso país. A Carteira em questão é um modelo desenvolvido por minha equipe de designers e baseada em Carteiras de Identificação TEA internacionais e é a mesma que eu uso desde 2018. Eu uso a minha em todas as situações; hospitais, comércio, repartições públicas, aeroportos, em tudo! Vale ressaltar que o que valida uma Carteira de Identificação TEA como essa que eu disponibilizei é o Laudo Médico atestando que o indivíduo possui Autismo, impresso no verso da Carteira. Enfim, acho que até me perdi no caminho deste artigo diante de tamanha indignação!

Mas, está tudo interligado: o Futuro dos Autistas, a ausência dos Pais (por motivo de morte) e as Políticas Públicas. Um cenário caótico, especialmente para os mais pobres!

Testemunho diariamente a boa vontade das Associações de TEA aqui no estado de Minas Gerais. Contudo, vejo, também, que essas pessoas/lideranças dessas entidades estão muito, Muito, MUITOS cansadas e desgastadas. E em certos casos, desanimadas! Então o que devemos fazer? Aprendi na Kabbalah que NÓS TODOS SOMOS UM SÓ! Seria isso?! Será que a falta de união está enfraquecendo a Comunidade Autista em Minas? Vejo movimentos distintos em outros estados, mesmo que em alguns casos sejam um tanto tímidos, ainda sim; assisto outras “praças” sobressaírem em relação ao meu Estado! Vejo claramente pouco envolvimento das Associações que conheço em questões pertinentes à nossa Comunidade Autista. Às vezes há questões importantes acontecendo e muitos alheios a isso. A palavra UNIÃO é muito mais poderosa quando praticada, porque a FORÇA dessa palavra é muito mais do que uma ideia de união. É, em prática; a FORÇA! Pena muitas pessoas não perceberem isso. Eu também fico cansado às vezes. Mas, no lugar de privilégio que construí com minha carreira e trabalho – o meu “plano” de futuro já está traçado há muitos anos – mesmo assim, não sou alheio aos Autistas! Independentemente desse indivíduo com TEA ser alguém próximo ou não, se tem grau 1, 2 ou 3, independente de tudo, meu propósito de vida é acolher – da forma que eu puder, e eu sei que não será pouca coisa – todo e qualquer Autista desse mundo, não só do Brasil, porque o meu trabalho ultrapassa nossas fronteiras vide os acessos internacionais que meu Blog/Trabalho alcança!...

Sobretudo, precisamos GRITAR muito alto (e eu sei o tanto que os ruídos incomodam) para que o poder público nos ouça! Preguiça dessa gente! E somos nós que pagamos os seus suntuosos salários. Não podemos perder o que já conquistamos! Devemos nos UNIR de verdade e garantir que os Autistas, todos eles, tenham um futuro muito melhor. Porque como está não serve!!! Não atende!!!

Gente, eu estava escrevendo sobre o medo que os Pais têm de deixar seus Filhos Autistas sem amparo e acho que esse artigo se tornou um “Manifesto”. Mas, penso que não me perdi totalmente no assunto. Acho que não. Preciso tomar um café agora! Já volto!

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Eu estava falando do que mesmo? Ah! Sim. Do descaso do poder público com a Comunidade Autista, o enfraquecimento das Associações em BH especificamente, o medo dos Pais morrerem e deixarem seus Filhos à deriva. Isso é um Caos anunciado! O que me dá alguma esperança é o facto de muitos desses líderes da Comunidade Autista aqui em Minas Gerais serem Pais e/ou Mães de Autistas e todos nós sabemos o PODER e a FORÇA de um Pai e de uma Mãe, não é mesmo?! Sobretudo, o envolvimento de todos é fundamental. Não podemos assistir à toda essa situação sem lutarmos de verdade! Com ações muito bem preparados para obtermos um resultado satisfatório. Há pessoas que tem pouquíssimo recurso para lutar e lutam tanto. Meu Pai, por exemplo, foi um homem que nos ofereceu o melhor, mesmo ganhando apenas um salário mínimo. Há questões que estão para além do dinheiro. Eu já disse que fui muito, Muito, MUITO pobre até o início a minha fase adulta noutro artigo e isso não me impediu de crescer, mesmo estando no Espectro Autista. E sim; meu grau de Autismo é leve, contudo, minha hipersensibilidade sensorial, minhas limitações sociais e sofrimento sempre foram e ainda são imensas e pesadas demais para mim!

Acredito que muito do que estou fazendo e ainda farei, será colhido daqui há algum tempo. Mas, a mudança começa de algum ponto e nem tudo rende frutos de forma rápida. Todavia, quanto mais a demora do plantio e cultivo maior a tardança para colher, é algo neste sentido... Em 2006, durante um longo intervalo (entre uma música e outra) da Banda Irlandesa U2, em Chicago/USA, o Vocalista, Bono Vox, disse: “Se fomos capazes de levar o Homem até a Lua, porque não seríamos capazes de trazer a Humanidade de volta para a Terra?!”

Meu Pai, Francisco, também, tinha muito medo de partir e me deixar aqui no mundo sem amparo. Porque Ele sabia desde meus primeiros movimentos aqui na Terra, que eu sou diferente. Ele, também, se fazia aquela pergunta: “E Depois? (Depois de Tudo)". Mesmo assim, Ele nunca criou uma “armadura” para mim e nem me criou numa “redoma de vidro”. Ele era sábio demais para isso! Ele sempre soube que eu nunca seria de titânio. E Ele fez melhor; toda vez que eu saio de casa e olho pro céu, seja dia ou noite, eu vejo o meu Pai. Ele sabia do meu fascínio pelos astros e estrelas. Gosto do céu, ainda mais quando é noite, acho que porque eu nasci à noite, às 21 horas numa segunda-feira de abril. Meu Pai me deu mais do que armaduras e armas, Ele tinha outro “plano” para mim. Quando me sinto em perigo ou em dúvida eu olho para o céu. Porque o meu Pai me deu o Universo!

 

Ernane Alves