O Garoto Satélite - Um mergulho (raso) na mente Autista [Artigo]

 

O Garoto Satélite

Eu gosto do dia. Mas, a noite me fascina. Sempre me fascinou. É muito difícil tentar explicar o que se passa dentro da minha cabeça. Cresci com minha Mãe me perguntando isso: “Ernane o que você tem na cabeça”? e eu sempre respondia: - “Tem muita coisa aqui dentro da minha cabeça. Muita coisa mesmo. Às vezes é tanta ao mesmo tempo que tudo para de uma vez. É como se eu tomasse um choque forte”! E ela ri tanto disso. Na verdade, ela queria me corrigir por algo que eu havia feito fora do padrão. E padrão para um garoto satélite não é algo fácil de se seguir. O Garoto Satélite em questão é um Menino Autista muito tímido, porém extremamente inteligente e de raciocínio rápido para coisas difíceis... E esse menino viveu em meu corpo há alguns anos atrás... E Como funciona o cérebro do Garoto Satélite? – Sete bilhões de pensamentos ao mesmo tempo na minha mente. E como eu administro esse turbilhão de ideias?! Penso que o meu raciocínio tem a velocidade do som...

Voltando à mente Autista, no caso a minha, porque somente sobre ela que posso falar. E nem posso de facto. É. É difícil mesmo. Imagine ter apenas 05 (cinco) anos de idade e questionar a um tio sobre o tamanho do universo. Queria saber se ele achava que o universo é infinito. Ninguém tinha a resposta. E eu ainda argumentava: - “E se o universo for infinito? Imagine que ele (o Universo) coubesse em uma caixa, o que teria para além da caixa? Tem que haver espaço fora da caixa”! Sim. Eu tinha 05 anos e pensava sobre isso. Não só pensava como conversava sobre. Olhava ao meu redor na casa da mina Avó Paterna – que sempre era cheia de primos e tios – e ficava pensando quem poderia ter a resposta. Mas, era difícil. Muitos primos e tios mesmo tão mais velhos do que eu, eram desinteressados demais em assuntos que não fossem festas e afins. Mais tarde, em meados de 1.997, eu já com 20 anos de idade tive uma resposta mais plausível às minhas questões e ideias com o filme MIB (Homens de Preto). No longa-metragem a história propõe que o Universo está dentro de uma bolinha (tipo bolinha de Gude) e a bolinha está dentro de outra bolinha e assim sucessivamente; vários Universos um dentro do outro, sendo separados/guardados por uma bolinha. E uma dessas bolinhas com um tanto de universos dentro dela está presa em uma coleira de um gato numa cena do filme. Isso foi sensacional!... E porque estou falando sobre isso?! Ah!... É porque eu gosto muito de olhar para o céu durante a noite. De quando em vez percebo meu cérebro tal como a teoria dos Universos do dito filme. E é complexo demais para mim tentar – muitas vezes sem sucesso – “organizar meus pensamentos”. É um completo caos em determinadas situações. Tenho uma série de pensamentos “soltos” e que de tanto treinar eu irei por fim organizar aquelas ideias e criar um contexto confortável e muitas das vezes criativo para mim. E imagine isso tudo acontecendo dentro da minha mente com várias pessoas ao meu redor falando, rindo, gritando. É uma combinação perfeita para eu entrar em colapso! O título do meu primeiro livro (ainda inédito) é Colapso Azul. Azul porque sou menino. E colapso porquê... Porque... Já dá pra imaginar porque colapso, né?!

Essa semana a minha primeira professora (Pré escolar. Na minha época era Jardim), a Maria José Toledo, me chamou pelo Messenger (Facebook) para conversar comigo. Não vou à Pedro Leopoldo (minha Terra Natal) com muita frequência e não vejo/falo com minha primeira professora há anos. Por isso foi muito bom falar com ela. Ela relembrou uma passagem que fora emblemática para ela. Ela relembrou que quando fui aluno dela – eu tinha 06 anos de idade – ela passou para a turma a tarefa de desenhar o pai em uma folha de papel usando um lápis grafite. Ela disse que eu não queria fazer o desenho. E ela argumentou: - “Ernane é importante que você faça o desenho. É um presente do Dia dos Pais”! e eu respondi: “Eu não posso desenhar o meu Pai”! Maria José disse: - “Mas, você desenha tão bem. Porque não pode desenhar o seu pai”? e segundo ela eu respondi: “Eu não posso desenhar o meu Pai porque ele não cabe na folha”! E esse fora meu primeiro indício de “pensamento concreto”. Por fim, ela disse que eu fiz o desenho, porém usando o espaço todo da folha. Era uma forma de ilustrar o quão grande era o meu Pai.

Um tempo depois, eu deveria ter uns 08 (oito anos de idade), minha Mãe me pediu para ir ao mercado comprar leite. Naquela época não existia leite integral de caixinha. Era leite pasteurizado, quase sempre, tipo C e vendido em sacos de plástico com 1000ml. A gente falava um litro de leite de saquinho. Enfim; minha Mãe me disse assim: - “Ernane, eu quero que você compre um litro de leite de saquinho, fique atento à data de fabricação. E veja se tem laranja, se tiver traga quatro (04)”. E fui ao mercado, antes de pegar o leite fui me certificar se tinha laranja no estabelecimento. E tinha laranjas no mercado. Daí, fui até a geladeira e peguei os pacotes de leite. Sim. Cheguei em casa com 04 (quatro) litros de leite. Acho que deu pra entender um pouco sobre o que é ter o pensamento concreto, não é?! Claro que o facto de eu ter uma memória excelente – já disse isso noutro artigo – me ajudou e muito no meu repertório ao longo da vida. Todavia, ainda me vejo em situações de confusão mental ante ao pensamento concreto. É mais difícil, porém ainda acontece. O que é um tanto controverso para um homem com o coeficiente de inteligência de 162. Sei que esse número é assustador. Mas, sim! Sou assustadoramente inteligente. Minha psiquiatra acredita que eu sempre, mesmo que inconscientemente, consegui transitar bem na minha comunicação, porque meu rápido raciocínio me permitia usar alguns déficits ao meu próprio favor. Coisa de “Autista”. Talvez.

Estou aqui escrevendo e arriscando expor meus pensamentos tão impares diante do que ouvi a vida toda. Sou uma peça de quebra-cabeças que sempre tentou se encaixar aos outros e, no entanto, nem sempre foi uma vontade latente e sim uma necessidade. Sempre guardei meu pênis nas minhas cuecas em lados alternados. Assim; um dia eu punha meu pênis virado para esquerda e no outro dia virado para direita. Eu tinha receio que ele ficasse torto. Acho que funcionou, porque ele é bem reto. Tipo perfeito. Embora ele fique mais confortável virado para esquerda, eu ainda alterno o modo de guarda-lo. Pensar pode ser um ato falho no meu caso. Muitas vezes prefiro deixar os pensamentos invadirem minha mente e irem se assentando gradativamente. É como se eles tivessem “vontade própria”. E funciona comigo. Todavia, quando eles não se assentam e eu começo a entrar em colapso mental eu fecho os meus olhos e tento não pensar em nada. A Música, também, me ajuda neste momento. Os meus fones de ouvido me salvam. E ainda sim demora. Demora. Demora muito. Muito tempo pra eu sentir aquele Black out cerebral, mas, ele vem. Ele vem e acalma tudo. O reset acontece e me acalma. É como cair no vazio sem medo de se machucar. Pular do alto sabendo que não haverá o impacto do chão! É assim que faço. Dói. Faz sofrer muito. Mas, realmente me acalma. Me conforta. É o dedo de DEUS tocando minha mente. Apertando a tecla de pausa...

Sempre quis voar. O máximo que fiz até hoje; foi voar de avião e de helicóptero. Quando criança olhava para o céu e pensava como seria tocar as estrelas. Isso me aconteceu em sonhos muito recorrentes e deles; dois poemas complementares de 1.998 (que seguem ao final deste texto). A grande vantagem de ser bissexual é que você tem direito a ter dois grandes primeiros amores. Verdade! Isso é muito bom. Já disse noutro artigo que minha primeira namorada se chamava Ana Paula, isso ambos com 12 anos. Contudo, meu primeiro grande amor foi a Suelen Stray, na época; ela com 13 e eu com 16 anos. Ela era incrível. Mas, não podia sair. Para a gente se encontrar ela dizia que ia ao cinema, mas, na verdade a gente namorava escondido dos pais dela. Mais tarde, com medo de ser pega, comecei a frequentar o cinema da cidade (PL) para contar rapidamente a história do filme a ela caso os pais que eram cinéfilos a indagassem sobre o filme. Foi rápido o tempo que estive com ela, mas foi intenso. Muito intenso. Como amei aquela menina estranha (e familiar) que parecia a Courtney Love (que é Autista), viúva do Kurt Cobain (NIRVANA). Aliás, a canção do NIRVANA; Come As You Are (Venha Como Você É), que tenho tatuada na minha cintura, era a nossa música tema, minha e da Suelen. A Suelen era a melhor coisa que poderia acontecer à um garoto! Curioso que anos depois nutri uma paixão platônica pelo meio irmão dela, o Stanley, mas, ficou somente no campo da imaginação. Já o meu outro primeiro grande amor, o Sérgio, (outro porque aconteceu mais tarde. Porém, com o primeiro rapaz com quem me relacionei), aconteceu em 1.996 e perpetuou até 1.998. Eu tinha 18 (quase 19) anos e ele 17. Ele me levou a um lugar que eu nunca havia visitado e foi docemente amargo... Já estou mudando de assunto novamente...

Quando estou pintando, vejo todos os Anjos destruindo os demônios que tentam, sem sucesso, entrarem no Céu. Vejo tudo de outro modo. Muito difícil alguém perceber as coisas conforme eu as apresento. Eles ficam olhando para mim com aquele olhar de quem não entendeu nada. E está tudo tão claro! Ter uma mente complexa como a minha e associada à muita inteligência e raciocínio rápido me proporciona um terreno criativo muito fértil. Penso. Penso. Penso muito. Penso a todo tempo e isso não tem fim... É uma droga miraculosa. Um elixir divino destinado a poucos. Sim. Me sinto, mesmo com todo sofrimento, um privilegiado. DEUS é muito bom comigo. Apesar de tudo. Apesar DELE nem sempre deixar o telefone no gancho, ele é um cara bacana. Preciso falar sobre Autismo e Religião noutro momento. Eu sigo a Kabbalah desde 2.004. Muitas pessoas acham a Kabbalah muito complexa, mas, é sobretudo; muito revelador! Que dor gostosa que estou sentindo agora. É agridoce. Deve ser as luzes cegas da cidade cheia/vazia e quente/úmida deste outono pré inverno. E o Rafael está fazendo pães de mel. Nunca gostei de pão de mel. Mas, os do Rafael são perfeitos, a fornada está cheirando muito bom agora. Cara talentoso e lindo. Ele é tão bom para mim. Ele me acalma tanto. Somos tão diferentes, mas, nossa convivência nestes quase três anos e meio (sendo mais de dois anos morando juntos), nos trouxe tanta cumplicidade. Ele sabe me acalmar! Ele tem uma sabedoria de vida aliada a um frescor da juventude tão necessário em nossa existência física. Em suma, as pessoas sempre enxergam menos do que deveriam ver nos outros. Infelizmente (não sei se é o adjetivo correto), não sinto empatia. Não consigo me colocar no lugar dos outros. Mas, me importo com as outras pessoas. Acho que se importar é tão importante quanto ter empatia. Penso que alguém pode se por no lugar do outro e não sentir nada. No entanto quando você se importa, você sente. E eu sinto. Sinto muito por todos. Quando disse que tenho “SETE BILHÕES DE PENSAMENTOS AO MESMO TEMPO NA MINHA MENTE”, fiz uma clara referência sobre a quantidade aproximada de pessoas habitam o planeta; 7,8 bilhões.

Queria aquele sonho; onde escondo uma estrela amarela e reluzente dentro da minha cueca, iluminando o artefato que me define macho e mostrando o quão frágeis somos ante o Universo. Preciso encontrar meu short azul, foi o último presente físico que ganhei do meu Pai. Mas, tudo bem, ele está aqui em casa em alguma gaveta. Há duas semanas encontrei uma medalhinha com a imagem do Anjo da Guarda que ganhei aos 12 anos de idade da minha Tia Luzia, Irmã do meu Pai. Foi um presente, trazido de uma das várias viagens que ela fazia à Aparecida do Norte/SP. Gosto muito da imagem dessa medalha e remete à uma fase da minha vida onde eu precisava muito de proteção...

Ainda rezo, rezo todas as noites antes de ir dormir. No outono, tomo chocolate quente assistindo à um filme antes de rezar e dormir.

Ernane Alves


Poema 01


SUAS ESTRELAS

 

Não consigo sonhar a muitos dias...

Essa noite fui-me deitar muito cedo.

Dormi e acordei no meio da madrugada...

Acordei muitas vezes. Assustado... Suado...

Ainda não havia sonhado!

Eu queira sonhar. Quero sonhar contigo!

Levantei e fui ao quintal de casa.

A noite estava fria, mas iluminada...

Olhei para o céu e vi inúmeras estrelas!

Eu peguei o máximo de estrelas que pude...

Coloquei-as debaixo do meu travesseiro...

Dormi... Dormi e sonhei com você a noite toda!

Pela manhã, depois do café, fui ao meu quarto...

Coloquei todas aquelas estrelas num pote de vidro de tampa verde para entregar a ti!

Não tenho outro short. Hoje terei que ir com o mesmo short azul claro.


Para Sérgio

Ernane Alves

21 de Janeiro de 1.998

 

 

Poema 02

 

MINHA ESTRELA

 

Você apenas sorriu e agradeceu-me!

Virou-se e entrou... Bateu a porta!

Eu fui de encontro a você!

Não moramos tão perto;

Por isso fui de bicicleta...

Você me deu as costas e adentrou.

Depois de ter colhido inúmeras estrelas do céu para ti...

Você apenas tomou o pote de minhas mãos e;

Sorriu timidamente e agradeceu-me...

Você só não sabia que;

Antes de eu chegar a sua casa;

Parei a bicicleta;

Eu abri o pote de vidro de tampa verde;

E retirei uma estrela para mim!

Guardei-a dentro da minha cueca e fui a seu encontro!

Perguntou-me porque meu sexo estava brilhando;

Eu disse-lhe que eu brilhava por você!

Mas menti! Meu short azul claro me desmentiu...

A estrela brilhava muito na frente do meu sexo e;

Minhas roupas eram claras demais...

Só não sei se a gangorra de seu quintal é tão vermelha quanto é o meu coração...


Para Sérgio

Ernane Alves

22 de Janeiro de 1.998