O Lado Obscuro do Espectro [Artigo]
A Discriminação é uma Realidade!
Saber sobre a existência
do Autismo é algo comum entre a grande maioria das pessoas e isso se dá em
função de um movimento de associações e entidades que defendem a causa. Mesmo com
muitas dificuldades essas associações sobrevivem, em sua maioria guiadas por
pais, mães e familiares de Autistas, que lutam por dias melhores para a
Comunidade Autista. Todavia, grande parte da população não sabe muito a
respeito do Espectro. Está no imaginário coletivo uma ideia deturpada acerca do
tema e isso inclui estereótipos ultrapassados e pasmem; é muito comum até
profissionais da área da psicologia estarem desinformados sobre o Espectro
Autista. Isso já aconteceu comigo. Certa vez em uma conversa – com apenas
quatro pessoas – estávamos tendo um diálogo normal e quando uma pessoa desse
grupo soube que eu tenho Autismo, ela passou a falar comigo com a voz infantilizada.
Essa pessoa é uma psicóloga e agiu como uma verdadeira idiota comigo. Mas, isso
é o de menos. Já ocorreram inúmeros episódios clássicos de discriminação comigo
desde quando eu decidi falar abertamente sobre o meu diagnóstico de TEA... Teve
uma pessoa “horrorosa” que me disse que eu não deveria falar abertamente sobre
o Autismo. Segundo essa senhora; falar sobre Autismo poderia afastar
patrocinadores dos meus projetos. Ela tinha, na verdade, era interesse
particular no meu “silêncio” porque ela estava indiretamente ligada à um
projeto que eu estava produzindo na época. Esse “conselho” foi feito por uma
ligação telefônica. Isso no início de 2020 – eu havia começado a falar sobre o Autismo
em meados de dezembro de 2019. Em suma, ela tentou me silenciar porque ela
achava que isso poderia, de algum modo, atrapalhar um filme que dirigi sobre o
marido dela. No entanto, nada mudou em relação a isso. Eu fiquei uns 20 minutos
pensativo depois dessa ligação. Perplexo e olhando para o nada! E na minha
mente vieram flashes de tudo o que eu já havia lido sobre a discriminação de
Autistas no Brasil. Casos chocantes de maus tratos e até de abusos sexuais sofridos
por crianças Autistas... Nossa! Foi um “chamamento”. Exatamente isso. E refleti
que não deveria me render diante da ignorância e preconceito dos outros. Depois
daquela conversa percebi que meu Propósito de Vida fazia muito sentido e
é muito maior do que eu mesmo! O Autismo precisa de protagonismo, de ter voz! E
vou usar o meu trabalho para informar as pessoas sobre o assunto. Há pouco
tempo uma amiga, a Rúbia Moura, usou um termo que eu nunca havia ouvido antes
em relação ao Autismo; “Empoderamento”! Ela se referia aos inúmeros pacientes
da Pipa Autonomia, que faz um trabalho de preparação de jovens Autistas
para o mercado de trabalho junto à estabelecimentos da capital mineira. Em suma,
esses estabelecimentos recebem jovens Autistas para aprenderem ofícios em seus ambientes.
A Rúbia criou um selo para credenciar essas marcas que apoiam a causa,
intitulado SELO AUT-In, o certificado tem uma Obra de Arte minha na
imagem, a “Ideias Recicláveis”. Mas, retomando a questão de o quão falar sobre
Autismo poderia “atrapalhar” o meu trabalho; minha nova exposição intitulada LUZ
AZUL – Um Olhar Particular Sobre o Autismo, será realizada no Aeroporto
Internacional de Belo Horizonte/MG. Foi um convite da BH Airport,
concessionária que administra o aeroporto. A mostra conta com patrocínios de
grandes Marcas Brasileiras e, inclusive, uma empresa multinacional.
Em contraponto, hoje, com
20 (vinte) anos de carreira, sendo um artista bem sucedido, premiado e muito
bem relacionado, ainda sinto que a discriminação e preconceito estão presentes
nas mais diversas formas. Recentemente, tive problemas com a administração do condomínio
onde moro. Resumidamente; apesar de eu nunca ter tido nenhum tipo de problema
com meus vizinhos e nem com os demais moradores – são mais de dois mil –
inclusive, ando com fones de ouvidos nas dependências do meu prédio, não sei
quem mora com quem, quem é casado ou pai de quem, enfim, apesar de eu ser
extremamente discreto. Fui advertido de forma grosseira por um vigia do
condomínio por eu estar sem camisa em determinado dia. Eu tenho muita resistência
a certos tipos de tecido e às vezes me dá uma vontade enorme de tirar a camisa.
No regimento interno do condomínio não tem essa rubrica, exceto para roupas de
banho (no meu caso se eu estivesse de sunga andando pelas dependências fora da
área da piscina. Mas, não era o caso; eu estava de calça e tirei minha camisa
enquanto andava dentro do condomínio). Levei o assunto até a administração e
tive que relatar a ele que eu possuo Autismo, para ele entender a minha condição
de neuroatípico. No entanto, desde esse dia, percebi uma mudança drástica de comportamento
por parte da administração do meu condomínio em relação a mim. É incrível que o
tratamento para comigo tenha mudado tanto quando eles souberam sobre o meu diagnóstico
de Autismo. Dá para entender o porquê de muitos Autistas adultos terem aversão
em falar sobre estarem no Espectro. Todos têm o mesmo medo: a rejeição, o
preconceito, a discriminação! É como se o Autista, mesmo altamente funcional e
sem comprometimento intelectual, como no meu caso, não tivesse valor. Você passa
a não ter importância aos olhos de certos indivíduos. É como se o que a gente sente
não tivesse importância. Foram tantos os episódios depois que assumi
publicamente que tenho Autismo; desde a pessoa achar que sou “bobo” ou ingênuo
demais até situações com algum nível de descaso. Porém, sou muito bem
relacionado como já relatei e luto pelos direitos das pessoas com Autismo. E é
o meu dever dar o exemplo! Ou seja: não posso me calar diante de casos de
discriminação! Se isso acontece com um homem influente e esclarecido como eu,
imagine o que famílias menos favorecidas passam? Na verdade, tenho tido um
feedback de inúmeras famílias Brasil a fora com relatos espantosos e
indignantes que me chegam no Fale Conosco do meu blog LUZ AZUL. E
percebo claramente que tenho que dar o exemplo!
Eu sou Autista e tenho
propriedade para lutar pelos direitos assegurados aos Neuroatípicos. Não busco privilégios
para a Comunidade Autista e sim uma ampla divulgação sobre o Espectro. Como figura
pública artística eu já tenho inúmeros privilégios que a minha profissão me
proporciona!
Generalizar o conceito
sobre o Autismo é uma prática antiga da sociedade e eu não culpo as pessoas por
isso. Creio que a falta de informação ainda é uma lacuna imensa na sociedade. Porém,
quando informados, os cidadãos devem exercer o seu papel na sociedade e
respeitar as diferenças. Comportamentos discriminatórios devem ser punidos com
o rigor da Lei. Inclusive o Artigo 88 da Lei 13.146/2015 é claro:
DISCRIMINAR PESSOAS COM AUTISMO É CRIME COM PENA DE UM A TRÊS ANOS DE PRISÃO
E MULTA. Penso que enquanto nos “calarmos” ante a atitudes e ações de
discriminação oriundas de pessoas maldosas e cruéis, nunca avançaremos para uma
sociedade minimamente justa e temente às Leis e à Justiça!
A depressão é um dos
fatores que levam o indivíduo com TEA a se isolar ainda mais em determinadas situações
e estudos sérios apontam que o índice de suicídio entre Autistas é maior do que
os neuroatípicos, quero falar sobre o tema em outro momento. Conheço muitos adultos
Autistas de nível 1 que têm pavor do termo “deficiência” que é associado a
pessoas com TEA. O Transtorno do Espectro do Autista (TEA)
é um transtorno relacionado ao desenvolvimento neurológico. E como
trata-se de um Espectro sua variação em cada individuo é muito diversa e, também,
compreendem dificuldades em se comunicar, dificuldades de interação social e
por interesses ou movimentos repetidos entre outras questões. No entanto, uma
pessoa com TEA pode passar uma vida toda sem ser identificada como Autista por
outras pessoas, afinal o Autismo não é visível. Sim! Isso aconteceu comigo, meu
diagnóstico é tardio e muitas pessoas me achavam esquisito etc. Mas, descobri
já adulto que estou no Espectro e como já relatei, fiquei anos sem querer falar
no assunto por motivos de negação mesmo. Vivi por anos na escuridão da
invisibilidade, afogando meus sentimentos por medo de rejeição e quase deixando
de ser quem realmente sou, para tentar me inserir na coletividade. Justamente por
medo da reação da sociedade diante disso. E de certo modo eu não estava errado.
Algumas poucas pessoas próximas mudaram seu comportamento comigo. E tenho sofrido,
de forma pontual e mínima, certas abordagens discriminatórias de desconhecidos.
E sei que “isso”, só não vai se intensificar, porque me tornei um homem
influente demais para ser muito recriminado e/ou enfrentado. Mas, e os outros? Os
outros Autistas? O que posso lhes dizer é que vocês não estão sozinhos! Sobretudo,
penso que “camuflar” o Autismo é colaborar com a falsa ideia de uma sociedade “ideal”
é projetar um idealismo uniforme ante a uma neurodiversidade real e necessária.
Por outro lado, “assumir” o Autismo é contribuir para uma sociedade diversa que
precisa das diferenças para se complementarem e construir um ambiente
descontaminado da polarização.
Diante de tantos casos de
desrespeito para com os Autistas e de suas Famílias que estamos assistindo a
todo momento, inclusive, com mães sendo retiradas com seus filhos de dentro de
aviões entre outras atrocidades promovidas por pessoas que desconhecem a Lei ou
mesmo pensam que estão acima dela. Devemos perceber claramente que este é um
momento de UNIÃO para a Comunidade Autista! Respeito é uma via de mão dupla e o
mundo tem tantas ruas, vias, rodovias, pontes... Devemos tomar mais cuidado
para não criarmos tantos engarrafamentos nos nossos caminhos!
O lado obscuro do Espectro
está no olhar do outro. Estão nas atitudes de alguns poucos. Em alguns apenas. Porque
vejo/sinto, que a grande maioria das pessoas são boas e estarão preparadas para
acolher os Autistas uma vez que elas tiverem mais informações sobre o
assunto... Quando fecho meus olhos e lembro das palavras da minha Amiga Rúbia
dizendo: “Quero trabalhar para o EMPODERAMENTO desses jovens Autistas que
atendo...” sinto algo tão bom dentro do meu peito é como ouvir a
canção “Love Is All We Have Left” (O amor
é tudo que nos resta) do U2 no momento que o Bono Vox
canta: “Seven billion stars in her eyes” (Sete bilhões de estrelas em
seus olhos). Tenho o título dessa música tatuada no meu ombro
emoldurando o rosto do meu Pai. O trabalho da Rúbia e de tantos outros
pelo país, inclusive de nós Artistas, são os pontos de LUZ que iluminam nosso
universo... Repito: NÓS NÃO ESTAMOS SOZINHOS!
À Comunidade Autista eu
digo: Resistir é um ato de sobrevivência!
Ernane Alves