ASSÉDIO [Artigo]
O Assédio
sempre foi uma Realidade na minha Vida!
Eu já disse em algum momento sobre minha baixa autoestima. Apesar de ter sido muito bem educado pelos meus Pais, no meu caminho encontrei algumas pessoas perversas. E muitos confundem ser educado com ser “fácil”. O assédio é uma realidade na minha vida desde que tenho contactos sociais. Tudo começou lá trás, ainda na minha infância, por volta dos 09 anos de idade e essa situação me acompanha até hoje. Fui um garoto tímido, pouco confiante, Autista monossilábico, com baixa autoestima e bonito demais, em suma; a mistura perfeita da vulnerabilidade!
Nunca me importei com o que as
pessoas poderiam pensavam sobre mim. Por outro lado, eu me preocupava em ser “aceito”.
Apesar da similaridade, não confundamos os assuntos! Tentar ser “aceito”, para mim,
é ser aceito como eu sou, sem filtros e não tentar mudar minha natureza para
agradar a conveniência alheia. Contudo, sempre tive muito, Muito, MUITO medo de
ser mal compreendido e isso ainda é um pesadelo para mim.
Conviver com o assédio velado,
quando se tem dificuldade de ler as intenções das pessoas é muito triste
sobretudo! Digo isso, porque mesmo já sendo um jovem homem adulto com um repertório
mais amplo, é comum eu só entender se houve uma atitude inconveniente de outra
pessoa quando passa algum tempo do facto. É assim; muitas vezes, eu não entendo
o que está acontecendo naquele exato instante e somente depois de algum tempo,
pode ser em questão de horas ou dias, é que vou avaliar o que ocorreu. E quando
constato que houve uma atitude invasiva de alguém me dá uma vontade de voltar
no tempo e “quebrar” a cara da pessoa. Ou fico com muito ódio de mim, por ter deixado
isso acontecer! Embora minha psiquiatra diga que não foi culpa minha, eu me machuco
com isso por um bom tempo.
Recorrentemente me deparo com
a situação de estar produzindo algum novo trabalho e passar pelo caminho
diversas pessoas novas ante aquele projeto. Por muitas vezes, alguns “profissionais”
se aproximavam do meu trabalho buscando a mim. Usavam do projeto e de possíveis
parcerias de trabalho a chance de ter relações sexuais comigo. Como disse, nem
sempre eu entendia a real intenção daquela pessoa, porém, vinha (com algum
tempo) minha reavaliação do ocorrido e junto o sofrimento. E vocês devem se perguntar:
Como um artista bem relacionado, um homem adulto como eu pode cair numa
situação assim? Realmente, em muitos momentos é bem difícil eu entender o que a
pessoa está querendo ao se aproximar de mim. O meu trabalho é o meu baluarte e
com isso fico tão empolgado ao tratar de projetos profissionais que não me
atento se a empolgação alheia é de facto sobre o meu trabalho. E o mais duro é
saber que o meu trabalho é fundamentado e sólido e me deparar com alguém que
não está dando a mínima para minha arte/criação e só está ali interessado pelo
que está dentro da minha cueca. O facto de eu já ter aparecido nu em dois
filmes, esse detalhe aguça ainda mais esse tipo de investida de cunho
superficial e banal; o assédio por fetiche e sem respeito ao meu trabalho e ao
facto de eu ser, antes de tudo, um ser humano.
Semanalmente, recebo centenas
de mensagens nas minhas redes socais e no fale conosco do meu blog LUZ
AZUL. Naturalmente, não consigo ler todas essas mensagens. Com isso, minha
assessoria de imprensa, filtra as mais relevantes para eu responder. Às vezes,
por conta própria, eu leio uma ou outra mensagem aleatoriamente e muitos
Autistas adultos (em sua maioria mulheres Autistas) me relatam questões sobre
assédio que já sofreram e o quanto aqui é sofrido para eles. O que ocorre
comigo nas plataformas virtuais são algumas pessoas escreverem coisas de cunho
sexual e até agressivo no sentido de desejo em relação a mim. Quando eu publico
uma campanha com uma mensagem importante algumas pessoas vêm me falar que sou
lindo, entre outras coisas que não merecem créditos aqui, etc., e nem prestam atenção
na informação que quero passar em uma ação séria e de prestação de serviço à
sociedade. Quero deixar uma coisa muito clara: Quando decidi falar abertamente
sobre o meu diagnóstico de Autismo, em meados de novembro de 2019, várias
questões foram abordadas pela minha assessoria de imprensa e uma dessas
indagações era em relação à minha imagem. Como sou uma figura pública artística,
trabalho com minha imagem, e campanhas de divulgação seriam veiculadas em meus
canais de comunicação e sobretudo, na mídia, a grande questão era: Quem iria
estrelar essas campanhas? Bem, tínhamos duas opções; a primeira era contratar
um modelo, para se passar/atuar como Autista nestas campanhas. A segunda opção
era buscar Autistas para estampar minhas campanhas de conscientização acerca do
Autismo. Porém, seria bem difícil convencer Autistas a participar, sabendo que
muitos não querem esse tipo de exposição entre outras coisas. Daí, veio uma
terceira opção que foi uma solução: “O Ernane pode fazer as campanhas. Quer algo
mais legítimo que um Autista que já trabalha com a própria imagem e tem
intimidade com as câmeras para fazer esse trabalho?” disparou um membro da
minha equipe. Neste momento o meu produtor disse: “E o melhor, não gastaremos
dinheiro com cachês (modelos são bastante caros)!” Todos os presentes na
reunião então olharam para mim. Fiquei calado por algum tempo e disse que: “Tudo
bem!” Tínhamos então a dissolução!
Não tenho medo de parecer fútil
ou superficial, porque quem conhece o meu trabalho sabe que sou inteligente demais
para correr esse risco. Então, me sinto confortável para dizer que ser bonito
aos olhos dos outros – porque não é uma percepção e/ou preocupação minha – não é
algo tão confortável. Pense! Você passa horas criando uma peça de comunicação com
uma mensagem importante e boa parte do seu feedback é sobre o quão bonito você
é ou está naquela photo. Isso, é muito decepcionante para mim. Além da carga de
assédio que compõe certos comentários. Dá vontade de vomitar!...
Durante minha adolescência foram
tão intensos os assédios, que creio que houve um “bloqueio inconsciente” dessas
situações na minha memória, que só foram revisitadas nas minhas terapias, já na
fase adulta da minha vida. Penso que por isso não tenho traumas profundos dessas
lembranças. Mas, tenho muita raiva dessas pessoas. Sou muito bem resolvido com
minha sexualidade e isso se deve muito pela criação que tive. Meus Pais sempre foram
muito abertos neste sentido comigo com os meus Irmãos. Todavia, eu poderia ter
traumas sérios diante de tudo o que passei e ainda passo (hoje, em situações
pontuais. É muito difícil eu ficar sozinho em público).
Todavia, eu devo ter algum
bloqueio sexual por tudo isso, acho. Sou muito interessado em sexo, necessariamente
com quem estou me relacionando no momento. Eu não traio, isso está em mim, não
consigo mentir, daí, para mim seria impossível tentar enganar as pessoas. Porque
estou dizendo isso?... Ah! Sim. Estava falando que tenho muito interesse em
sexo; mas, apenas com quem estou me relacionando no momento. E é quase uma
obsessão. Inclusive, esse aspecto sempre foi e ainda é um dilema nos meus
relacionamentos. Minhas ex namoradas e meus ex namorados sempre reclamavam que
eu queria sexo/transar demais. O Rafael, meu atual companheiro – três anos e meio
de relação – reclama da mesma coisa. Eu acho normal querer transar todo dia, se
puder ser duas vezes melhor ainda. Mas, na prática nunca foi fácil para mim
lidar com isso. Estou escrevendo sobre isso, porque pode ser algum reflexo traumático
dos inúmeros assédios que sofri ao longo da minha vida. Na verdade, alguns
psiquiatras que fiz terapia, apontaram esse meu comportamento, quase obsessivo
em relação à sexo, como algo que pode estar relacionado com os assédios que passei.
É muito triste alguém olhar
para você e não ver nada além. Nada além de uma aparência mutante. Que irá
envelhecer e mesmo assim terá seus encantos. Mas, é somente isso; o aqui e o
agora! Não olhar para alguém com respeito e/ou ternura quando este alguém está
ali para outras questões que não são correspondentes aos desejos do outro é
feio isso. Qualquer pessoa, tem/teve pai, mãe, família, amigos, histórias... É
feio olhar para o outro com um desejo de cobiça descartável. É repugnante! Ainda
bem, que a minha total incapacidade de ler intenções alheias; me bloqueia e me protege
de ver/ler esse desejo raso e doentio nos olhos de pessoas sem alma,
especialmente, quando penso na minha infância/adolescência onde fui ainda mais vulnerável.
Meus grandes e doces olhos cor de avelã...
Contudo, as lembranças mais
marcantes que tenho são dos assédios explícitos necessariamente quando eu era
apenas um garoto. Algumas frases que ouvi ainda ecoam dor na minha mente. Foi triste
demais. Feio demais. Eu com 12, 13 anos sendo cobiçado de forma abrasiva por
mulheres e homens na casa dos 60 anos de idade. Não sei o que é pior; se quando
era tão explicito o assédio ou quando era camuflado.
É engraçado me sentir órfão de
Pai. Porque Ele me deixou há pouco mais de três anos e eu já era um homem
adulto. Mas, me sinto órfão de Pai. Sei que a LUZ Dele está viva dentro de mim,
mas, penso que chegará uma hora que essa LUZ dentro de mim me tornará Pai de
mim mesmo... Não sei. Só sei que sinto muita falta Dele. Um dos impasses que
está havendo com os possíveis editores do meu primeiro livro é o facto de eu
escrever: Pai, Mãe, Irmão, Irmã, Família, Autista ou Autismo ou Ele/Dele e Ela/Dela
quando me refiro aos meus Pais, sempre com a letra inicial maiúscula, mesmo não
sendo inicio de frase. Mas, dessa particularidade eu não abro mão. Sobretudo,
porque há três editoras interessadas em publicar o meu livro, daí, vai ter que
ser do meu jeito! Não consigo escrever as palavras Pai ou Mãe com letra minúscula.
Não mesmo. Nunca!
Ernane Alves