Não tenho um “Código de Barras” no meu Corpo! [Artigo]
Por eu ter Autismo, muitas pessoas tentam encontrar “algo” de diferente em mim para me distinguir de outros caras.
Ouvi certa vez de uma moça: “Nossa!
Você malha?!” Eu respondi que sim, porque não queria render o assunto. Na
verdade, na época, em 2017, eu só praticava Boxe, mas, era o suficiente para
deixar o meu corpo torneado e pujante. A gente estava em minha casa no Buritis
(BH), depois de um encontro casual na rua, na Praça do Papa, durante um show de
Jazz ao ar livre. Era inverno, julho mais precisamente. Depois que ela me
abordou, conversamos um tanto sobre amenidades. Ela estava muito animada,
talvez, tenha bebido demais, eu também. Sim! Autistas também bebem (bebida alcoólica).
Invariavelmente, eu bebo pouco. Mas, naquele dia eu havia tomado vinho tinto e
acho que fiquei mais extrovertido em público. Ela foi bastante direta ao me
convidar para transar. Eu gostei de ela ter tomado a iniciativa, algo que é difícil
para mim; me aproximar de alguém. Eu perguntei onde, e ela foi enfática: “Na
sua casa, por que eu moro com minha família”. Eu disse que estava tudo bem para
mim, porque eu morava sozinho. Pegamos um carro por aplicativo e fomos para
minha casa, iríamos transar lá. Ao chegarmos ela foi ao banheiro e depois abriu
a minha geladeira, tirou as coisas do lugar – fiquei nervoso – ela por fim,
encontrou uma cerveja e abriu. Eu voltei para a sala, liguei o som e tirei toda
minha roupa e fiquei somente de cueca e ela sentou-se no sofá, ainda vestida, e
ficou me observando. Ela sorria muito e eu cada vez mais nervoso. Olhei para
ela e disse: “Vamos?!” E apontei a direção do meu quarto. Ela ainda imóvel no
sofá me disse: “Você não parece Autista”! Ela sabia que sou neuroatípico porque
era amiga de uma conhecida minha. Eu olhei para ela por alguns poucos segundos
(não me lembro de ter sorrido) e segui para o meu quarto. Ela veio logo atrás
de mim. Sentei-me na cama. Eu já estava excitado e ela ficou me observando por
um bom tempo, enquanto tomava goladas no bico da garrafa de Bud (uma marca de cerveja
norte americana). Eu nunca fui bom em iniciar o toque, contudo, sempre fui direto
ao ponto quando a situação era muito clara para mim. Estávamos ali para fazer
sexo! Somente isso. Não estava com vontade de falar sobre minha condição de Autista.
Ela me olhava e sorria. E ficava me perguntando sobre como é ser Autista. Ser observado
é constrangedor para mim, usando somente uma cueca então... E o pior; alguém me
olhando e sorrindo e eu sem entender se ela gostava ou não do que estava vendo.
Não conseguir ler as intensões das pessoas é muito comum entre Autistas. De repente
ela começou a me tocar. Ela enfiou a mão direita dentro da minha cueca e abraçou
meu pênis com sua mão gelada e repetiu: “Você não parece Autista”! E eu “nevei”
com aquela mão gelada no meu membro quente e pulsante. Eu usava uma cueca preta
da Versace, custa pouco mais de R600,00 (seiscentos reais) uma cueca dessas. Cheguei
até a pensar que poderia ser por isso; um Autista usando uma cueca cara, que eu
poderia me aproximar da “normalidade” que ela tanto questionava ou buscava. Sei
lá, foram tantas possibilidades que se passaram pela minha cabeça. Às vezes, é difícil
lidar com as pessoas neurotípicas, porque nós, Autistas, não nascemos com
alguma marca de nascença ou anomalia visual que nos distinga das outras
pessoas.
A falta de visibilidade sobre
o tema do Autismo torna as coisas realmente muito difíceis. Eu sempre percebi
que a falta de informação é uma lacuna imensa na sociedade. Não canso de dizer
isso! Por outro lado, a invisibilidade pode ter suas vantagens (para além das
pessoas te acharem sexy e/ou bonito demais), mas se a comunidade autista
quisesse a invisibilidade certamente não haveria uma data mundial de
conscientização acerca do tema.
Entretanto, nenhum Autista é
facilmente reconhecido pelas pessoas. Não nascemos com nenhuma antena ou algo
do tipo que nos identifique. E isso é um sofrimento – ao menos no meu caso que
tenho Autismo Leve – porque muitas vezes sou obrigado a falar que estou no
Espectro. Não quero falar, mas sou obrigado a falar dependendo da situação. Isso
é uma tortura ainda, mesmo depois de tanto tempo escondendo meu diagnóstico,
afinal eu consegui “socialmente” viver sem nunca ter tocado no assunto até
então. Porém, o preço que paguei e ainda venho pagando por guardar somente para
mim, não o meu diagnóstico, mas ainda quase todos os meus conflitos internos,
talvez não tenham valido a pena! Abafei meus sentimentos, sofrimentos e sensações
me valendo da minha inteligência – muito acima da média – e de ser muito
articulado e claro; minha aparência física também me ajuda socialmente.
Naquela noite clara de inverno
eu me senti ainda mais diferente do que já me sinto. Conviver com as pessoas
tentando encontrar algo diferente, visualmente falando, dos neurotípicos é
assustador. É como se estivessem sempre te “analisando”. E aquela moça fez pior!
Ela já sabia que estou no Espectro. O que ela queria mais? Tirando minhas
questões sensoriais e resistência ao toque entre outras “coisas”, minhas crises
depressivas estavam ausentes naquele momento. Como ela não havia visto nada de
diferente em mim, fisicamente, ela buscava algo a mais. É como se ela quisesse
encontrar algum “defeito” para me classificar. Ao sacar meu pênis da minha
cueca ela olhou para ele e depois fixou o olhar em mim. E disse eufórica: “Você
nem parece ter Autismo”! E eu respondi a ela: “Meu pênis autista é como
qualquer outro pênis de um cara normal. Talvez, seja bem maior e mais bonito do
que outros, mas, somente isso”! Será que ela esperava encontrar um “código de
barras” no meu pênis? Algo que me diferenciasse fisicamente de outros caras? Muitas
vezes, é bastante difícil lidar com certas atitudes dos neurotípicos. Muitos são
invasivos e ficam claramente decepcionados quando não acertam nenhuma das características
que leram em alguma “cartilhazinha sobre Autismo” que tentam definir um ser humano
com teses superficiais. É comum até certos profissionais da psicologia
apontarem características pré-concebidas acerca dos Autistas de forma
generalizada. Algo do tipo: o Autista não olha nos olhos, eles não interagem
socialmente, eles não fazem isso ou aquilo. Somos seres humanos antes de tudo. Não
somos robôs feitos em série com um programa de funcionalidade padrão. Que DROGA!!!
Quando não são situações de “julgamentos”
equivocados, são as atitudes de cunho diminutivo e/ou depreciativo. Mesmo eu já
sendo um adulto independente e funcional, ainda me deparo com algumas posturas
desrespeitosas ou no sentido de ignorar o que eu penso ou desejo. Como se eu
precisasse que alguém decida algo por mim. Ainda acontece isso com certa frequência.
Eu ignoro a pessoa e sigo em frente...
Aos que tentam, sem êxito,
encontrar “algo” que me distinga de outros rapazes: Não tenho características físicas
que possam alimentar a fome/sede insana de sensacionalismo alheio buscando “algo”
no meu corpo que me defina Autista! Nem dentro da minha cueca! Talvez, a única
coisa que me distinga de muitos outros caras é o facto de eu ser um tanto
bonito além da média – não é uma percepção minha. Cresci ouvindo isso. E ainda
ouço, o tempo todo –, embora isso seja irrelevante para mim, já disse noutro
momento que nunca fui amigo do espelho, tão pouco tenho a autoestima elevada. Contudo,
costumo replicar o que ouço dos outros em relação à minha aparência física. O meu
corpo perfeito e muito bem cuidado é parte de mim, do que eu sou, assim como o
meu Autismo!
Eu preciso comer agora...
Ernane Alves